Uma análise objetiva sobre os efeitos das mudanças propostas pelo governo federal.
Introdução
As primeiras semanas do novo governo tem trazido mudanças significativas na pauta tributária, resultando em diversas alterações nas estruturas de órgãos reguladores e nos critérios de avaliação e julgamento. Essas mudanças foram apresentadas no Novo Pacote Tributário, lançado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no dia 12 de janeiro de 2023.
O objetivo central do governo é alcançar uma melhoria fiscal nas contas públicas de R$ 242,7 bilhões neste ano. Como parte desse plano, o governo prevê a reintrodução de impostos federais sobre a gasolina, além da redução de despesas e a implementação de um programa chamado Litígio Zero, voltado para o financiamento tributário.
O plano inclui decretos presidenciais, portarias e medidas provisórias que têm vigência imediata em sua maioria, mas precisam do aval do Congresso Nacional para continuar valendo de forma definitiva.
Este post debruça sobre os principais pontos envolvendo as Medidas de Recuperação Fiscal, trazendo o contexto em que elas estão sendo implementadas e os impactos no curto, médio e longo prazo.
Programa “Litígio Zero”
CONTEXTO ATUAL
Em 2019, a regulamentação do instituto da Transação Tributária foi estabelecida com a publicação da Medida Provisória nº 899, permitindo que Fisco e contribuintes negociassem a regularização de débitos fiscais. Nos últimos quatro anos, foram lançados diversos editais que ofereciam benefícios, tais como redução de juros e multas, além de opções de pagamento mais flexíveis, com o objetivo de incentivar a adesão a planos de extinção de dívidas tributárias que atendam às necessidades de cada contribuinte.
MUDANÇAS APRESENTADA PELO PROGRAMA
O programa Litígio Zero, integrante do pacote de mudanças para recuperação fiscal proposto pelo Governo, permitirá que Micro e Pequenos Empreendedores renegociem suas dívidas, tanto as inscritas quanto as não inscritas em dívida ativa, com descontos sobre o valor total da dívida.
Inicialmente, a medida foi comparada com o antigo Refis (Programa de Recuperação Fiscal), no entanto, na prática, ela é uma variação do modelo de transação tributária, mantendo a estrutura básica e apresentando condições diferentes das oferecidas nos editais anteriores, tais como entrada, descontos de multa e juros, uso de prejuízo fiscal e classificação da capacidade de pagamento.

IMPACTOS DA MUDANÇA
O programa será uma oportunidade de regularização de débitos para os contribuintes que não conseguiram aproveitar os editais de transação vigentes no ano de 2022;
• O prazo de parcelamento de dívidas foi reduzido, em comparação com editais de transações tributárias anteriores, concedendo ao contribuinte apenas 12 meses para quitação dos débitos;
• Pessoas jurídicas que devem mais de 60 salários-mínimos terão descontos maiores nas multas e juros;
• O parcelamento das dívidas poderá auxiliar o Governo em sua meta de arrecadação, estabelecida em R$ 242,7 bilhões.
Fim do recurso de ofício
CONTEXTO ATUAL:
O Recurso de Ofício é um mecanismo utilizado pelo Fisco para contestar decisões desfavoráveis obtidas em primeira instância, nas Delegacias Regionais de Julgamento da Receita Federal.
Atualmente, o valor mínimo para a abertura desse recurso no CARF é de R$ 2,5 milhões. Portanto, se o contribuinte vencer em primeira instância, a Receita só pode recorrer se o valor total de tributos e multas a pagar ultrapassar essa quantia.
MUDANÇA APRESENTADA PELO PROGRAMA:
A partir de 1º de fevereiro de 2023, foi estabelecido pelo Governo Federal, em portaria publicada no DOU do dia 18 de janeiro de 2023, que os presidentes das turmas só poderão recorrer em casos em que o valor total de tributos e multas a pagar pelo contribuinte sejam superiores a R$ 15 milhões.
Essa regra também se aplica aos casos em que o contribuinte é excluído do processo por ilegitimidade passiva, mesmo que a exigência do pagamento total do crédito tributário seja mantida. Dessa forma, se a Receita entender que deve recorrer ao CARF, será necessário apresentar um recurso voluntário.
IMPACTOS DA MUDANÇA:
A partir da medida, caso o contribuinte vença na primeira instância, o litígio será definitivamente encerrado, sem possibilidade de recurso por parte da Receita Federal.
Além disso, a medida também tem como objetivo aumentar a eficiência nos julgamentos do CARF, extinção automática de quase 1 mil processos em trâmite atualmente, o que representa cerca de R$ 6 bilhões.
Alteração da alçada de acesso ao CARF
CONTEXTO ATUAL
Atualmente, os contribuintes que possuem processos que discutem valores acima de 60 salários-mínimos (equivalentes a R$ 78.120,00 nos valores atuais), têm a possibilidade de recorrer ao CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) para tentar reverter decisões desfavoráveis obtidas em primeira instância administrativa.
MUDANÇAS APRESENTADA PELO PROGRAMA
O programa proposto altera a alçada de acesso ao CARF, estabelecendo que apenas processos com valores superiores a 1.000 salários-mínimos (R$ 1.302.000 milhão) poderão ser enviados ao CARF após decisões desfavoráveis na 1ª instância administrativa, aumentando assim o valor mínimo para acesso ao CARF, tornando-o mais seletivo e concentrando-se em processos de maior valor.
IMPACTOS DA MUDANÇA
O programa proposto tem como objetivo reduzir mais de 70% dos processos que chegam atualmente ao CARF, ajudando a desafogar a pauta do Conselho.
Além disso, também se espera uma redução no tempo médio de solução dos litígios, que atualmente varia entre 5 e 10 anos, de acordo com estudo realizado em 2016 pelo Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle (MTFC).
A medida também permitiria que contribuintes com grandes dívidas pudessem ter a chance de uma resolução mais ágil de seus processos fiscais junto ao Conselho, enquanto contribuintes com dívidas menores ficariam impossibilitados de recorrer ao CARF, caso obtenham parecer desfavorável em seus litígios em primeira instância.
A medida também esta gerando discussões acirradas, especialistas apontam tal medida de restrição do acesso ao Conselho como uma medida inconstitucional, de acordo com a disposição da Súmula Vinculante 21, do Supremo Tribunal Federal.
Restituição do voto de qualidade
CONTEXTO ATUAL
Em março de 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para validar o fim do voto de qualidade no CARF. O Conselho é um órgão paritário, composto por um quórum igualmente dividido entre representantes do Fisco e representantes dos contribuintes.
A medida de voto de qualidade era utilizada para decidir empates em julgamentos, semelhante a um voto de minerva. Antes da decisão, a responsabilidade de voto cabia sempre ao Presidente do Conselho, um representante do Fisco, o que se refletia no índice de decisões favoráveis à Fazenda.
Segundo relatório do Núcleo de Tributação do Insper, que analisou julgamentos do Órgão entre 2017 e 2020, 76,61% das decisões proferidas pelo CARF mediante o voto de qualidade favoreceram o Fisco, contra 23,39% decisões pró-contribuinte ao longo de todo o período contemplado pelo estudo.
Desde a decisão do STF no ano passado, restou estabelecido que o poder decisório de litígios empatados seria de um membro representante do contribuinte, o que representa uma importante conquista para os empresários, que passaram a ter mais chances de obter resoluções favoráveis nessa instância administrativa, diminuindo a desvantagem anterior que era do lado dos contribuintes diante do voto de qualidade que favorecia o Fisco.
MUDANÇAS APRESENTADA PELO PROGRAMA
O novo programa do governo propõe a reintrodução do voto de qualidade no ambiente do CARF, alegando que sem a medida, a Fazenda Nacional fica em desvantagem, pois, ao contrário do contribuinte, não pode recorrer ao judiciário para continuar a discussão de um processo fiscal caso perca em esfera administrativa.
Além disso, o programa também propõe a revisão de 19 teses tributárias que foram julgadas de forma pró-Fisco no ambiente judicial e que agora serão revistas pelo CARF, com o objetivo de equilibrar os entendimentos sobre as matérias.
IMPACTOS DA MUDANÇA:
A reintrodução do voto de qualidade no ambiente do CARF pode levar a um aumento nos julgamentos desfavoráveis aos contribuintes.
Isso pode criar um ambiente de insegurança jurídica, tendo em vista a recente extinção do voto de qualidade e sua abrupta retomada agora.
Além disso, para os contribuintes que já venceram ações no CARF, há a possibilidade de ter a decisão revertida e a cobrança da dívida reaberta, o que pode causar incerteza e preocupação adicional.